Por Um Vocabulário Tão Certeiro Quanto Meu Olfato!
- Mallê
- 11 de jan. de 2017
- 3 min de leitura
A cultura é a identidade de um povo. Há muito envolvido: as crenças, a música, a culinária, o vestuário, os idiomas e seus dialetos... Não é preciso cruzar as fronteiras: cada uma das regiões brasileiras é um universo a parte. Nem mesmo mudei de Estado, mas o simples fato de ter saído do interior para a capital já me rendeu boas histórias!
Há uma semana, enquanto eu voltava para casa depois de sair da faculdade, eu passava pelas ruas do centro de Belo Horizonte, quando senti "cheiro de infância". Segui "farejando" até chegar em uma portinha estreita, onde vendiam frutas. Atrás de uma grande balança antiga, estava um senhorzinho calvo, com sua camisa de botões, olhar pacato, chinelo de dedo.
- Boa tarde! O senhor tem panã? Ele me olhou ressabiado, e acenou com a cabeça dizendo que não, franzindo a testa e dando de ombros, como quem mal sabia do que eu estava falando. Agradeci, e fui embora, encafifada. Um aroma tão característico, eu não poderia estar enganada. Ou poderia?
Ontem, passando pela Rua Goitacazes, ao lado do Mercado Central, senti outra vez aquele mesmo cheiro. Logo atrás de uma banca de revistas, uma vendinha com muitos frutos, e uma placa simples, improvisada com um papelão: ARTICUM.

Eu sorri e segui. Embora com muita vontade de saborear aquela delícia que nunca mais vi depois que me mudei para Belo Horizonte, saciei meu paladar com a saborosa diversidade regional.
Meu olfato, na primeira barraca, não havia se enganado. Eu é que não estava "falando a mesma língua"!
Mais tarde, já em casa, fiquei pensando na grandeza daquele fato. Mesmo que corriqueiro. Eu, que sempre sonhei em fazer um intercâmbio, ganho, dia após dia, lições sobre o quão grande é o mundo embaixo do meu nariz!
Panã, Bruto, Articum, Manolo, Araticum...

Panã é um fruto nativo do Cerrado. Também é conhecido por marolo ou bruto. Araticum é nome dado à diversas espécies da família Annonaceae, mesma da fruta-do-conde (Annona squamosa), conhecida também como ata ou pinha, dependendo da região.
O maroleiro é uma árvore de 6 a 8 metros de altura, com o diâmetro da copa chegando a 2–4 m, da família das anonáceas, que ocorre, de forma descontínua, no cerrado brasileiro. A planta tem preferência por regiões de cerrado com menor déficit de umidade, em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, pequena parte do interior de São Paulo e em partes isoladas de Goiás, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e leste da Bahia. Mas é em Minas Gerais que o fruto é típico e muito apreciado. Possui sistema radicular do tipo axial que atinge grandes profundidades no solo, para absorver água e nutrientes. O seu tronco é reto com galhos tortuosos, a casca é corticosa, fendida e grossa. Seus frutos alcançam mais de 15 cm de diâmetro e 2 kg de peso, contendo muitas sementes com cerca de 1,5 cm de comprimento. Quando aberto, o fruto oferece uma polpa cremosa de odor e sabor bem fortes e característicos que difere grandemente da fruta-do-conde, é considerada uma iguaria da região do cerrado, vendido em feiras livres ou consumido ao natural ou na forma de batidas, bolos, biscoitos e bolachas, picolés, sorvetes, geleias e diversos doces. A frutificação inicia-se em novembro e a maturação entre fevereiro e abril, onde está, em Minas Gerais, popularmente associado ao período da Quaresma. Quando está maduro, o fruto cai no solo, sob a projeção da copa, exalando um forte e característico cheiro. Estes são os de melhor qualidade para o consumo, pois os colhidos diretamente da árvore ou não amadurecerão ou apresentarão sabor inferior. Esta fruta ocorre em cerrados e cerradões, ao longo de todo o bioma Cerrado.

“O quanto em toda vereda em que se baixava, a gente saudava o buritizal e se bebia estável. Assim que a matlotagem desmereceu em acabar, mesmo fome não curtimos, por um bem: se caçou boi. A mais, ainda tinha araticum maduro no cerrado.”
Guimarães Rosa em Grande Sertão Veredas, pg. 372
Comments