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A Poesia Prevalece

  • Mallê
  • 6 de set. de 2016
  • 4 min de leitura

Aos poucos, o interior da barraca ia ganhando um tom alaranjado. O dia estava nascendo. Do lado de fora, os primeiros raios de sol atravessavam sutilmente o sereno da madrugada ainda suspenso no ar. A placa com o nome da cidade, nos dava as boas vindas, indicando que havíamos chegado ao nosso destino, escolhido às pressas.

Cordisburgo/MG

Tudo muito bonito... Muito poético... Mas, quem vê as fotos tiradas de dentro da barraca, com aquela paisagem bonita num lugar calmo, não imagina o que de fato se passa por trás daquela cena! Então, senta que lá vem a história!

Nossa vista de dentro da barraca.


Decidimos ir para Cordisburgo/MG aleatoriamente, sem muitos critérios. Queríamos ir em direção a Belo Horizonte/MG, nosso ponto final. Logo, já começaríamos a seguir o rumo de casa. Durante a noite anterior, ainda no confortável sofá de nosso host em Diamantina/MG, a Pri deu uma olhada no mapa, pesquisando no Google o que havia pra fazer nos lugares pelo caminho. Vimos muitos links sobre o Circuito das Grutas. Decidimos conhecer a Maquiné.

Fomos para a estrada às 14h, e depois de três caronas, lá estávamos nós, no trevo da BR-040 que nos levaria até onde queríamos chegar. Já era quase 18h. Não estávamos lá há muito tempo, quando um rapaz chegou e perguntou para onde íamos. Disse morar em uma fazenda ali na região, e que era comum os carros pararem, por já ser um ponto conhecido de carona. Alguns carros passaram, e depois, um caminhão, que parou muito à frente de onde estávamos. Ficamos sem saber se ele havia parado pra nós. Começou a dar ré. Fui até lá conversar com o motorista.

Haviam dois homens no caminhão. Disseram que iam para Cordisburgo, mas que antes passariam em uma outra cidade pequena ao lado para fazer uma entrega. Pri ficou um tanto ressabiada, mas já ia ficando tarde. Como meu sexto sentido não apitou, perguntei se cabíamos as duas com as bolsas grandes, e eles nos levaram.

Conversamos um tanto e aproveitamos para perguntar como era Cordisburgo, pois além da gruta, não sabíamos mais nada! Disseram ser um lugar muito tranquilo. Perguntamos sobre um lugar tranquilo pra passar a noite, e eles riram. "Vocês são loucas" (nada que nunca tenhamos ouvido na estrada).

Após uma hora e meia no caminhão e uma entrega em Araçaí/MG, enfim, terra de Guimarães Rosa! Os dois nos mostraram onde era a avenida principal da cidade, e perguntaram se não queríamos ir para Sete Lagoas com eles, poderíamos dormir no caminhão, e eles nos deixariam lá outra vez na manhã seguinte, por segurança. Dissemos que estava tudo bem. Agradecemos e começamos a andar.

Uma rua muito escura e deserta. Alguns metros à frente, vários treilers desses de lanche enfileirados. Apenas um aberto, onde alguns homens bebiam e conversavam. Atrás deles, um trilho e uma antiga estação ferroviária, no meio da terra vermelha. Caminhamos por ali, demos a volta no quarteirão, chegamos na lanchonete outra vez. Estávamos cansadas. Decidimos montar a barraca ali mesmo, atrás do muro que separava a rua da ferrovia.

Fiquei olhando as bolsas e segurando a lanterna enquanto a Pri discretamente armava nosso acampamento. Não queríamos que os homens notassem que dormiríamos ali, poderiam achar ruim por causa do estabelecimento, ou sei lá o que! Desci com as coisas, entramos na barraca e pronto! Dali só sairíamos na manhã seguinte!

Comemos algumas frutas e pão que carregávamos, fizemos suco com um pacotinho e um pouco da água que tínhamos: banquete! Não demorou muito, já estávamos apagadas!

Meia noite. Os homens da lanchonete começam a falar alto e todos ao mesmo tempo. Acordei achando que era briga. Nada... Era mais um que chegava trazendo um violão. Começaram a cantar. Dormi com direito a serenata!

Madrugada, 1h: um barulho estrondoso! Absurdo! Uma ventania, e barraca sacudindo, poeira subindo, cachorro latindo. Naquele momento, descobrimos que a estação de trem, apesar de antiga (e ao contrário das tantas outras pelas quais passamos na região e que eram apenas "de enfeite"), não estava desativada! Acordamos com o trem passando, carregado de minério.

Madrugada, 2h: para nossa felicidade, o trem passaria mais três vezes naquela mesma noite!

Às 4 horas, não tinha mais trem! Às 4:30h, acordei assustada tendo pesadelo com um bando de gafanhotos entrando na barraca e comendo ela com a gente dentro... É o tipo de sonho bastante conveniente pra se ter quando se está dormindo dentro de uma barraca!

Às 5h, barulho! Muito barulho! Não era o trem, mas era o carrinho que passa nos trilhos para consertá-lo. Chega de tentar dormir, né... Uma olhadinha do lado de fora... Um dia lindo nascendo! E dentro da barraca, duas loucas pra fazer xixi!!!

Olhei do lado de fora, ninguém! Era nossa chance! Aí foi aquela confusão de sair de dentro do saco de dormir, de achar um chinelo ou qualquer coisa pra colocar no pé, pegar papel higiênico... Ufa! Quando finalmente a gente conseguiu sair de dentro da barraca...

"Bom dia, moça! Não morreu de frio dormindo aí essa noite, não?". Deus... É você? Não. Não era deus falando comigo. Era um homem empacotado em sua jaqueta, sorrindo simpático pra mim. E atrás dele, algumas vinte e tantas pessoas (que devem ter brotado do chão enquanto eu procurava meu sapato, porque não estavam ali há 5 minutos). Em frente ao treiller havia um ponto de ônibus, que só não estava mais cheio do que a minha bexiga!

Olhei pra Priscila, ela olhou pra mim... Olhamos para os lados... Vimos deus! Na verdade, vimos três banheiros químicos, no meio do nada, que estavam ali por qualquer tipo de milagre. Com todas aquelas pessoas nos olhando e sorrindo (naquele momento descobrimos que essa é uma cidade de pessoas muito carismáticas e todos te dão bom dia na rua. TODOS!), engatamos naquele passinho de marcha atlética e nos enfiamos nos banheiros! Gente... Poesia à parte, mijar é muito bom!

Banheiros enviados por deus enquanto dormíamos.

Saímos de lá sorridentes, com aquele bom humor matinal de quem não vai mais explodir... Demos bom dia para as pessoas, os trabalhadores da linha férrea, para os cachorros, para as formigas... Voltamos para a barraca para tomar café da manhã (que seria o mesmo da janta) e arrumar tudo para conhecer a cidade, afinal de contas, dormimos cedo e muito bem! ;)

A tranquilidade no olhar de quem teve uma noite tranquila de sono!


 
 
 

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