Filhote de Elefante...
- Mallê
- 14 de ago. de 2016
- 4 min de leitura
Oi, Pai... Faz tempo que a gente não conversa. Então, senta, que dessa vez o assunto é comprido!

Dizem por aí que hoje é dia dos pais. Pra mim, sempre foi... Independente de que domingo ou que mês. Eu sempre acordei muito grata por ter você como pai. E mesmo quando a gente se exalta, briga, discorda, chora... a manhã seguinte é sempre de gratidão.
Eu nunca soube o peso das suas mãos. Você nunca me bateu. E sei o quanto você foi e é criticado por isso. Mas o que as pessoas desconhecem é o peso das suas palavras, quando, igual faço agora, você chamava pra sentar, e eu sabia que a conversa ia ser longa. Certa vez, você viajou, e ficou muito tempo fora de casa. Eu não sei onde você estava, mas antes de voltar, você ligou e me disse que havia me comprado um presentão! Eu fiquei eufórica, ainda mais por ser surpresa. Não conseguia imaginar o que poderia ser... Quando você chegou, me entregou um embrulho que eu fui logo abrindo. "Uai, me dá um abraço primeiro"; você disse. Eu abri aquele pacote o mais rápido que pude. Dentro dele, havia um moletom azul marinho, com um desenho do Pateta de cabeça para baixo estampada. "Esse que era o presente?", eu disse um tanto decepcionada, largando a blusa num canto... Minha mãe disse que a culpa era sua, por ter avisado que tinha comprado algo. Você sentou na minha frente e me disse que o maior presente que eu poderia receber era ter meu pai em casa de volta, depois de tanto tempo viajando. Depois disso, você me entregou outra caixa, onde estava "o presente", de fato.

Faz tempo, né, pai?! Hoje, sou eu quem passa meses fora de casa, e aparece de vez em quando pra passar alguns dias.
"Vossos filhos não são vossos filhos. Vossos filhos são flechas. Vós sois o arco que dispara a flecha. Disparadas as flechas, elas voam para longe do arco. E o arco fica só". (O Profeta, de Gilbran Kahlil Gibran)
Você é um homem forte. Eu nunca quis que você tivesse de ouvir palavras tristes por minha causa. Eu sei que não foram poucas. Sei que ainda ouve. E ainda assim, por algum motivo, você nunca quis que eu fosse igual a ninguém. Sempre me permitiu ser eu mesma.
Sempre foi super-protetor. Não como um pássaro que cerca o ninho para que o filhote não voe, mas como um pássaro que entra na frente da arma dos caçadores e diz "vai, voa o mais rápido que você puder... eu seguro as pontas...". Você que me dizia que eu devia escrever um livro... Que eu devia gravar um disco... Que eu devia ser tanta coisa que eu quis ser. Você segurou minhas mãos em todos os caminhos, não importa qual fosse a direção. "Eu só posso te dar conselhos. Te dizer o que eu acho que é melhor. Mas é você quem decide como vai agir. Mas saiba que assim como a decisão, é sua também a consequência dos seus atos. E você deve arcar com ela. Eu nunca vou te dar as costas. Mas também nunca vou resolver nada por você. É você quem deve agir. Mas saiba que eu vou sempre estar ao seu lado pra te ajudar". Esse sempre foi seu jeito, me ensinando, sem nunca desrespeitar minha vontade.
Sabe qual é meu bicho preferido, pai? É o elefante. Sabe por que? Porque foi o que você me ensinou a ser. Você me ensinou que posso ser grande, mas que nunca devo usar do peso das minhas mãos. Você me ensinou que apesar da força, a maior virtude é a memória. Por isso você me educou com suas palavras, confiante de que eu jamais as esqueceria.

Memória de Elefante
Sei o quanto você se preocupa quando estou na estrada. "Menina, onde você está? Liga pra dizer que está indo, e não que já está lá!". Mas sabe... Mamãe estava certa... Foi você quem me ensinou a ser desse jeito. Afinal de contas, o que você queria que sua filha se tornasse buscando ela na escola no meio da aula pra ir viajar com você numa Fiorino pra entregar congeladores?
Eu cresci ouvindo você dizer que queria ter um filhO para ir pescar com você. Enquanto isso, eu sonhava em acampar, e viver as aventuras que te ouvia contar, dos jacarés roubando os peixes pendurados perto de onde você dormia. O resultado? Você criou uma filha que não sabe escolher lugar pra armar barraca e que acorda coberta de pó de minério porque ficou muito perto dos trilhos do trem!
Mas sabe qual é o bom da vida? Sempre é tempo de recomeçar!
Eu espero que você perdoe a minha "falta de juízo". Tudo que eu fiz na vida foi querer ser igual a você, te fazer sentir orgulho de mim. Se eu errei, foi tentando acertar...
Meu presente foi simples, mas foi cheio de significado: essa toalhinha, igual à minha, é, acima de tudo, um convite. Pra vivermos juntos os momentos que nós deixamos passar. Ela é rosa pra você deixar de ser machista e entender que uma menina também pode ir pescar com o pai! E é pequenininha pra te lembrar que às vezes, precisamos bem menos do que pensamos ser necessário. Arruma o barco. Vou te ver daqui há quatro meses. Mas será por pouco tempo, porque agora, "Os ninhos só servem como pontos de partida para vôos em todas as direções. Liberdade, voar, voar... [...] Porque a vida não está no ninho, está no voo" (Rubem Alves - meu escritor favorito, que não é Machado de Assis, tá? rs). Feliz Dia dos Pais. Feliz vida. Eu te amo da barriga do elefante gordo!
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