Vou Viajar

Lá estava eu num desses dias... Uma linda manhã de inverno, o sol brilhando, ipês florescendo ao lado da janela... Eu com meu velho mau humor matinal, olhava para o teto. Branco. Quadrado. Uma lâmpada empoeirada sem lustre.

Eu me sentia parte daquele teto: sem cor. Luz apagada. Quase juntando teias de aranha de tanto tempo imóvel. Pensando em nada.

Queria ter algo interessante pra fazer. Lembrei daqueles dois ou três convites pra sair que alguns amigos fizeram. Mas recusei tudo. Disse estar ocupada. De fato, observar o teto leva tempo...

Pensei em retornar alguma das ligações que ignorei. Gosto de sair. Digo que não por comodidade. Evita ter que dar explicações. Mas gosto. Difícil é sair da zona de conforto. Tirar o pijama. Pentear o cabelo.

Gosto de observar as pessoas na rua. Como são estridentes as gargalhadas no bar. Acho que precisam rir alto pra mostrar a todos como são felizes. Talvez, com um pouco de sorte, convencerão também a si mesmas.

Há outros que param em cada vitrine. É engraçado. Quando vejo vitrines, lembro do meu pai. Ele sempre dizia para não encostar nos vidros. "Se roubarem a loja, a polícia virá e encontrará suas digitais. Vão te prender". Fato é que coisas expostas não me atraem. A não ser que eu possa comê-las.

O teto... Haviam partes em alto relevo. Vestígios de uma tentativa de tampar as goteiras. Comecei a me sentir incomodada, pensando na pressa e no desmazelo de quem colocou aquela argamassa. Custava alisar? Tenho TOC.

Levantei da cama. Fui à geladeira. Voltei para o quarto. Entediada.

Lembrei de quando eu era pequena. Passava horas planejando conhecer o mundo e recortando fotos de lugares em revistas. Visitaria um por um.

Talvez viajar fosse uma boa ideia. É, seria. Poder viajar seria ótimo! Sair do tédio. Do quarto. Esquecer o teto.

Mas não dá. Não posso. Não posso porque... Por que? Não achei resposta.

Vou viajar.